Política nacional

Voto nulo e o mito da inocência

Caio Miranda de Polo – Simba (TXIII da FDRP)

As recentes notícias acerca da anulação dos processos envolvendo os ex-presidente Lula e a subsequente volta do direito deste a concorrer para a presidência da república – lembrando que as eleições já ocorrem no ano que vem – instauraram um clima de polarização política semelhante ao que se viu nas eleições de 2018. Diante disso, em meio aos discursos que de um lado defendem o atual presidente nas próximas eleições e, do outro, o ex-presidente, surge um outro discurso muito comum em momentos como esse: a defesa do voto nulo.

Quero focar exatamente nesse último tipo de discurso. Para tanto, é preciso primeiro observar quais são os argumentos comuns desse grupo. Em primeiro lugar têm-se a forma com que eles veem os dois principais candidatos, o atual presidente se apresenta para eles como uma decepção de 2018, o que era para ter sido um mandato que corrigiria os erros da esquerda nos últimos 16 anos revelou-se apenas como um período de total incapacidade administrativa do Estado, discursos e falas vergonhosas do presidente e, não podemos nunca esquecer, de total negacionismo da pandemia global, levando a morte de milhares de pessoas. Quanto ao ex-presidente, a visão ainda é a mesma que se tinha no auge da Lava-Jato: a de que ele se trata do principal político responsável pela corrupção endêmica dos órgãos do poder público nacional e alguém que, inevitavelmente, trará a ruína do empresariado por meio de maiores garantias trabalhistas e políticas públicas de distribuição de renda e fornecimento de serviços básicos de forma gratuita pelo Estado. Esses são apenas alguns dos principais pontos que essas pessoas expressam e que eu quis enumerar. Contudo, deve-se pontuar que não é meu foco analisar a veracidade dos argumentos citados e decidir qual candidato é o melhor, o que se põe em questão aqui é o “voto nulo”.

Tendo em vista tudo isso, pode parecer correta a opção desses eleitores em anular o seu voto em 2022, afinal, na cabeça deles, eles se encontram entre a foice e o martelo e, portanto, não ceder seu voto a nenhum dos candidatos é uma forma de afirmar sua inocência perante o que possa ocorrer de ruim nos anos seguintes. Todavia, não há nada mais errado do que concordar com essa afirmação. Isentar-se do voto em nome de uma suposta inocência é o mesmo que presenciar todas as mazelas causadas ou perpetuadas por uma gestão e se dizer inocente mesmo sabendo que poderia ter feito algo para mudar isso, isto é, de inocente não se tem nada. Pelo menos esse indivíduo deve ter a honestidade de dizer “sim, eu sou culpado por isso”.

Adoramos pensar que aquilo que ocorreu na Alemanha durante o nazismo nunca mais poderá ocorrer, que os alemães daquele tempo eram todos nazistas e sanguinários, mas não, a maioria deles estavam apenas se isentando de qualquer posição política – naquela época a decisão consistia em apoiar os nazistas ou os comunistas na luta contra o nazismo, como ocorria na França ocupada – e viam, diante dos seus olhos, horrores diários. Esse cenário, como muitos já sabem, foi muito bem explorado por Hannah Arendt quando ela trata da banalidade do mal, basta que algumas pessoas se tornem apáticas à situação ao seu redor para que diversas mazelas tomem conta.

Uma pessoa poderia argumentar, na forma de uma pergunta: mas como podemos ser culpados de tudo isso se nós não poderíamos saber que as coisas se dariam desse jeito? A essa pergunta comum, respondo com outra: E quando é que nós temos certeza do futuro? Um pai ou mãe que acaba de ter um filho se vê na obrigação de cuidá-lo e educá-lo sem ter a mínima certeza de que seus esforços levarão seu filho ao caminho que ele ou ela deseja. Mesmo tomando como referência a sua própria criação, seja ela boa ou ruim, os pais podem apenas esperar que tudo se dê o mais próximo do planejado. Vivemos em um mundo de incertezas, a história nunca é dada, como possa parecer quando nos dispomos a estudá-la, ela é construída, e cabe a nós construirmos ela sem a certeza de que nossos esforços darão o resultado previsto. Essa é a “angústia” de que Sartre tanto falava: ser obrigado a agir, escolher, mesmo diante de toda incerteza.

No ano de 2022, o importante não será “limpar as nossas mãos” do que possa ocorrer nos anos seguintes. Não há nada que expresse mais o individualismo liberal do que essa expressão “limpar as mãos”, como pode alguém observar o que está acontecendo no país e simplesmente virar as costas em nome de sua “inocência”. Somos um povo que juntos decidimos o futuro da nação, não pela atividade individual, negar sua responsabilidade não a faz desaparecer. Albert Camus já observava na sua obra “A Queda”, estamos todos mergulhados em esterco e buscamos atirar esterco uns nos outros, é impossível ignorar aquilo que nos cerca. Portanto, devemos ir às urnas em 2022 e expressar nosso apoio a algum candidato, mesmo diante de todas as incertezas do futuro, mesmo diante do que possamos nos tornar responsáveis, é preciso escolher algum lado nas eleições.

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Um comentário em “Voto nulo e o mito da inocência

  1. Muito Bom! É realmente uma posição recorrente entre os brasileiros e deve ser analisada. Amei a metafora do esterco! Kkkkkkkkkk

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